Os quadros falam sem dizer. Falam dentro de nós, gritam, choram, fazem nos ouvir vozes que muitas vezes não queremos escutar. Mas em si, são emoldurados pelo silêncio inerente aos objetos, às pinturas. Um quadro não fala. Mas se fizermos uma ligação das vozes presentes nos quadros mudos, que nós ouvimos cada vez que apreciamos um obra de arte de significativo porte, e as molduras que cercam a tela, poderíamos dizer que são elas, as barras, as selas, as contendoras das vozes dessas inúmeras pinturas que imploram para dizer o que já está sendo dito. As molduras do silêncio. A prisão em torno dos homens, que vivem numa cela invisível, e não falam, não cantam, não sorriem. Talvez se removêssemos as grades que nos cercam, ou as molduras das pinturas, o silêncio seria quebrado e nossos gritos seriam mais do que uma breve, passageira, e interior inaudível loucura silenciosa. Assim, resolvi remover as molduras do silêncios dos tantos quadros que contam a nossa história, e deixar eles falarem através de um interlocutor, que como qualquer outro, poderia escutar, outros silêncios, outras vozes, outras alegrias, outras dores.

sábado, 6 de junho de 2015

CORES DO SILÊNCIO

Traços dos meus traçados Eus,
Perdidos infinitos indefinidos,
Retraçados, de pontos sempre
Repintados, o que somos senão
Esboços de autorretratos em
Falhos repetidos pontos perdidos
No vastidão do espaço? Pontos
Refletido no azul das calcinhas
penduradas no varão do céu
O que somos além de acúmulos
De palavras da história de um
Tempo, na sucessão de fatos
Recontados, impressas tintas
Em papel, humanos borrões
Do passado, cores e imprevisões
Somos apenas traços de algumas
Certas imperfeições, o que somos
Mais, senão tudo isso e um pouco
Mais, os pontos, e os pontos, pontos
De tinta cordenadas, caligrafadas,
Alinhadas, pelos pontos da sorte
releituras e achados de escavações
abstratas sortes desencobertas
pela areia, fosseis desencapados
Pelos pontos celestes, pelos pontos
Cardinais, pelos pontos trabalhistas,
Pelos pontos vaginais, os pontos
Das guerras, dos brancos e dos
Vermelhos, os pontos dos tinteiros
As gotas caídas sob o traços, gotas
Sobre fundos sem final, a história
Pintada por mãos desconhecidas
Sempre recontada  por mil e um
Tipos de interpretações, 
as bibliotecas nao queimadas 
mil e uma abstrações, do nada
e do que sobrevivemos, do
que somos e do que de fato vemos
quando enxergamos as mesmas coisas 
Em inúmeras inexatidões, vemos
Tudo e nada, vemos quase
Tudo diferente, ao mesmo
Tempo nada é igual e tudo
É o mesmo, mas nada é certamente
Algo quando passa ser aquilo
que se sente, pois sentindo-se dentro
de um só, como existir algo imutável,
se apenas um único sente, e somos
Todos diferentes? Traços da unicidade
Como ver o mesmo azul, se há mais
de um par de olhos existente?
Talvez ainda por isso o vermelho
cortante marque esse Azul celestial,
quando tanta concordância
Sobre tudo, num mundo onde tudo é
Tão gigante, seja uma tarefa mais
Do que colossal, maior do que o
Pensável irredutível querer, pois como
Fazer caber numa única tela todas
As verdades das cores, e as matizes de
Todos os pintores se existe no mundo
Mais pares de olhos do que uma única
Pincelada? Uma tela colorida em branco
E preto, quando sem o vermelho e o
Azul ela não teria o menor sentido
De ser pintada?
Como não traçar o vermelho sobre o
Azul, pontilhado pelo preto, como não
Ser indiferente ao que temos de semelhante?

Como não aceitarmos as diferenças das cores,
e continuarmos sendo Intolerantes,
se o Azul será sempre Azul,
O Vermelho sempre Vermelho,
E o Preto sempre Preto?



FC



                                             AZUL II

                                           Juan Miró

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