Dos tantos sonhos caídos, dos tantos tecidos, escuto o som
da escuridão quando fecho os olhos, e percebo o quando foi em vão... as
gravatas forçadas em cima da mesa, os relógios dourados brilhando no pulso, os
colarinhos sem voz, estalando no pescoço, enforcando a minha nudez de ser esse
pedaço de carne em busca de um certo silencio, quando sozinho posso tolerar tudo aquilo que se desmancha em mim, tudo aquilo que se desfaz, todos os
grandes fracassos, e os pequenos também, os projetos que nunca foram realizados,
os esforços e grandes esperanças, as expectativas de sermos mais do que somos,
quando da carne em putrefação preenchemos da vida mais do que um quarto com um vaso
de plantas mortas e um alguns latidos amigos de um pobre animal, coitado, devo
ter esquecido de comprar ração, devo ter esquecido de me lembrar que além de mim
tenho algo para cuidar, o mínimo que seja, um vaso para regar...Deus meu, devia
ter comprado um cacto, alias, já comprei um e ele morreu, de sede... sabe Deus
porque, sabe Deus como isso aconteceu...essa samambaia foi um amigo que me
deu...amigo? se é que posso dizer que tenho amigos... assim no infinito de um minúsculo quarto tão imenso, que parece o mundo inteiro, envelheço como o resto do mundo,
fechando os olhos, e vendo tudo escuro, e preto, sozinho não escuto nada,
sequer a voz interior, nada, sequer um ruído de respiração, não vejo nada além
da escuridão refletida na treva do que posso ver, os olhos fechados, e um medo
velado, no fundo desse mundo preto, um certo medo inconfessável de morrer, assim, apertado
nesse peito envelhecido, manchado, os tecidos caídos, os membros flácidos,
moles... eles não sobem mais, nem quando vejo as crianças nuas no jardim do
vizinho, os filho do senhor Alceu, elas brincam molhadas, todas empertigadas de
sabão, assim, com os peitinhos cheios de vida, engomados pela doçura
pertencente aos anjos, pela lisura cabível a todos os meninos nus, que se
tocam, que se encostam sem perceber a cruel malícia do mundo, sim, mesmo assim
essa minha flacidez tenebrosa não permite-se a ficar enrijecida, como antigamente,
como sempre foi, quando eu era jovem e potente, um ser humano comum, esmagador,
andava pelo meio das gentes, indiferente, com os mesmos olhos, com os mesmos
trejeitos, mas minha podridão eu só guardava pra mim, não tinha esse tom de
flacidez na pele, não tinha saído para fora, como pústulas ao luar...sonatas carnívoras de inverno infernal...agora eu não sei bem o que faço,
estou um pouco abatido, dividido e entediado com a monotonia da vida, não sei se
rego a planta ou se saio para comprar comida para o cachorro? Acho que durmo mais
um pouco, ja está prestes a amanhecer... sim, o sono é sempre a melhor forma
secreta de vivendo-se, morrer.
FC
DAVID ET ELI
Lucian Freud
Nenhum comentário:
Postar um comentário