Os quadros falam sem dizer. Falam dentro de nós, gritam, choram, fazem nos ouvir vozes que muitas vezes não queremos escutar. Mas em si, são emoldurados pelo silêncio inerente aos objetos, às pinturas. Um quadro não fala. Mas se fizermos uma ligação das vozes presentes nos quadros mudos, que nós ouvimos cada vez que apreciamos um obra de arte de significativo porte, e as molduras que cercam a tela, poderíamos dizer que são elas, as barras, as selas, as contendoras das vozes dessas inúmeras pinturas que imploram para dizer o que já está sendo dito. As molduras do silêncio. A prisão em torno dos homens, que vivem numa cela invisível, e não falam, não cantam, não sorriem. Talvez se removêssemos as grades que nos cercam, ou as molduras das pinturas, o silêncio seria quebrado e nossos gritos seriam mais do que uma breve, passageira, e interior inaudível loucura silenciosa. Assim, resolvi remover as molduras do silêncios dos tantos quadros que contam a nossa história, e deixar eles falarem através de um interlocutor, que como qualquer outro, poderia escutar, outros silêncios, outras vozes, outras alegrias, outras dores.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

ENCARCERADOR DE SONHOS






                                      "OS CÁRCERES IMAGINÁRIOS"
                                              Giovanni Battista Piranesi





MORTE À MARA

O mais belo rosto jamais visto no amanhecer, assim era o Sol dos meus dias, o ser do meu ser, a liberdade do meu pensamento, era azul, era da cor simples do céu, era livre, antes de ter te encontrado na curva da praia, no fim do mundo ter tropeçado em ti, no mesmo fim do princípio, ali, onde eu tinha nascido, onde tu tinhas me dado pelo menos a metade da vida, e sabido depois de um tempo passado o tempo que sempre passa, quem tu eras, homem da cela, depois de um tempo de dolorido crescer e certo imposto amadurecimento vir a saber sem condições mais de fingimento, ser vivo do meu ergástulo, gárgula da aurora, quem tu eras de verdade.

Onde mais poderia ser, senão no inferno dentro de nós, que tu irias se revelar como realmente és? Como realmente te vês no espelho dormente dentro de ti, não aquele que nós polimos e cuidamos, e pintamos, para refletir luzente nossos sorrisos escovados e limpos para o mundo, esse espelho imóvel que somente escolhemos quando trocar o adesivo, não, não esse..., falo daquele outro espelho, aquele que fingimos desconhecer, mas que não quebra nunca...apesar de todas as machadadas e pedras que atiramos....talvez com uma bala na têmpora, mas ainda ninguém “desespelhado" por uma bala perdida ou friamente colocada sobre os miolos apareceu para contar se conseguiu se livrar desse maldito espelho, aquele que fica submerso no fundo do nosso rio, embaixo de todo lodo, de toda lama, no fundo de nós, no leito, aquele que reflete até as sombras dos pensamentos mais claros, os mais limpos, e principalmente aqueles que encarceramos para não termos que pensar sobre, ou pelo menos, para fingir para nós mesmos, que sobre tais “coisas” não pensamos.

Todos os oceanos atravessei, para todas as outras cidades fui, vivi em todos outros mundos, os pequenos pedaços de ilusões sobreviventes depois de ti, depois que me revelaste o teu ser, em mim, depois que tiraste a máscara que cobria o teu rosto tenebroso, alvorecer do meu perecer em presídio de sofrimento mudo, em cada segundo de um instante vivo nesse ou no outro mundo, o do lado de fora, uma casa de detenção se formava dentro dos meus pensamentos, uma habitável solidão era invadida sempre pelos teus olhos revelados, pela pele úmida de teu ser encarcerador, macabro vencedor de mim, presidiário, amante das chamas oscilantes das câmeras de gás, dos corpos derretidos, das crianças sem futuro, do sonhos mortos....

Ser claustro da clausura
Claustrofobia obscura
Ser da paranoia angustiante
Da vitima sem defesa
Da presa a captura
Do rapto a mordaça
Do tempo o vazio
Do refém o cativeiro
As paredes imaginárias
Das tragédias traumatizantes
O veneno e o método
Inoculador
Predador dos sonhos
Dos velhos a falta
de asilo
Retentor do meu livre arbítrio
Impotência do meu ser
Desculpa do meu fracasso
Submissão do meu querer
Ser humano devastador
Dor da dor somente dor
Ser humano invasor
Do sol amarelo dos meus dias
Fizeste somente cinzas e poeiras
Criaste em mim um pânico inexistente
Um medo diante de tudo
Me tornaste vulnerável
Ao mundo e seu Terror
Hoje sinto o medo crescente
O horror frente uma flor
Preso no cárcere da liberdade
O pensamento de um livre querer
Escravo do pensamento sem ser
De uma livre reclusão
Cárceres imaginários
Da morte da vida
De uma vida acorrentada
Numa inexistente solidão

Sim, encarcerador dos sonhos, as grades e os grilhões puseste nos meus olhos, talhador de detenção, detentor de coração, destruidor de magia e humanidades, de vidas que não voltarão mais, sobre a minha íris, a minha janela para o mundo, para sempre, uma lente de grades frente a tudo tatuaste, a qualquer resto de mortalidade e finitude, tu conseguiste soletrar cada centímetro da barra dessa carceragem do inferno, ardendo, doendo, queimando com ferro e fogo, atormentando-me com brasas de um mundo indiferente, mudo a qualquer movimento e antecipação, os teus enclausuramentos fantasmagóricos,

Para tudo existente e pulsante no mundo vivo e colorido, estou condenado EU a olhar através desses meus olhos com as tuas barras carcerárias tatuadas na retina...

Diante do espetáculo da nascimento da mais bela flor sideral, aurora boreal dos anjos que se amam nus, ou do Sol mais vivo entre as chamas dos corpos mais quentes dos queridos mais ferventes amigos desse mundo, os terrores de todos os teus antepassados mortos estavam ali uivando nas taças de vinho, todos eles sempre presentes, tuas doenças podres e teus ossos fantasmas, afundados, imergidos, cravados no fundo do meu ser, na antecedência das formas dos meus pensamentos que se formam em nós, antes mesmo da essência que tudo cria, a tal membrana perfuraste, tamanha profundidade atingiste com apenas um olhar, Encarcerador dos Sonhos, na tal semente viva colocaste a maldade de tua cria, com uma única vista, notável inesquecível olhar, o olhar da escuridão, trouxeste a luz ausente em meus poros, em meu sono, em meu jardim, nas pessoas que em mim encostam, todas elas mortas por ti... e agora, como tudo isso assim se recria, eu não sei o que se faz, ja não sabia, como recolorir o mundo de uma alma viva perdida, presa dentro dos próprios pensamentos antecedentes ao próprio ato originário de pensar?

Assim conseguiste escravizar a minha alma solta, o meu pássaro voador, antes mesmo de eu poder pensar em voar, antes de eu poder ser, antes de criar, antes de querer viver, a tua captura, os teus vícios mortos, teus anos de clausura, teus irrecuperáveis dias, tuas covardias, teus amigos perdidos, teus pais nunca ausentes, tua velhice naufragável velhice inevitável, tua inveja frente a minha juventude, teu cruel e inevitável apodrecimento frente a minha eterna luz do dia, tua eterna e sempre subalterna submissão, frente a minha tamanha irreal para ti, porém real existência para vida e para o mundo, viva subversiva alegria, minha explícita rebeldia latente de ser sempre o que tu mais abominaste em mim, livre, liberalmente livre perante cada desejo e vontade de meu ser, por isso me prendeste em tua escuridão, pois nunca suportaste em mim tamanha liberdade, nunca conseguiu suportar meu grito, cada vez que eu de joelhos me atirava sem pensar às minhas vontades e vivia, e vivia, tu te escondias, e urrava de maldade, e ira por eu nunca sentir vergonha, é isso, essa é a chave, dos cárceres imaginários, eu nunca ter tido vergonha de mim, tu jamais podes isso suportar, isso não, se ao menos eu tivesse demonstrado e me humilhado e me reverenciado ao teus valores e morais de um mundo existente em ti, e tivesse minimamente me envergonhado na pele do meu ser por ter sido sempre o que fui, talvez ai sim, eu estaria perdoado, e livre, e tu não terias me encarcerado, e traçado teu mefistofélico plano maldito da minha total e completa  aniquilação, mas não, essa falta de vergonha foi a última gota, foi o intolerável, foi o crime e a pena de morte que eu teria que pagar estando perpetuamente vivo, morto, acorrentado ao teu lado, como um Prometeu preso na pedra gigante do monstruoso Tártaro, a cada dia lhe sendo comido um pedaço do fígado vivo, sim, agora compreendo, e por isso, impuseste teus fantasmas da forma mais vil e sorrateira e perversa que a humanidade ja criou para escravizar e empalhar o outro, inimigo considerado, compraste minha alma, como o Diabo fez com Fausto, assim, com os anos, gota a gota, foi corroendo os meus pensamentos, até se infiltrar na mais íntima e profunda verdade do meu ser, no meu caráter, e ali instalar sua demoníaca semente de ser encarcerador de sonhos e humanidades, simplesmente porque sabias que ali eu romperia, e me terias em tuas mãos, vil encarcerador, ali, paciente e vil, ano à ano, tempo à tempo, gota à gota, estação à estação, e eu, entre a fonte inesgotável de um amor incondicional que supria nossa viciosa relação, e o ter que me libertar dessa vil condição de bastardo implorador, de comedor de migalhas e ser humano aprisionado, cada vez que me olhava no espelho, via o vermelho tingido de teu amaro sorriso irônico, dentro dos meus ossos quebrados e vencidos, dentro da minha alma, nefasta e desumana, esgotada, adoentada, vil perpétuo infeliz de ti, que friamente planejaste minha sepultura fria e calculada com cada passo de tua impostura e vil acidez mortífera e sobrenatural, cada mortífero abraço morto, cada olhar, cada sempre eterno retorno, cada absoluta negação, pois eu sou a completa negação de ti, e tu representas tudo aquilo que luto contra nesse mundo, toda tirania e toda voz de opressão e morte, todo preconceito irracional, toda morta alienação, tu és o meu inimigo mortal, o anti eu mesmo que dorme dentro de mim!!! e somente matando-te, a mim mesmo, que poderei sobreviver nessa vida, pois tu representas o inferno no mundo, e a besta que come a carne dos santos humanos animais.... tu és o encarcerador dos sonhos,  dos vivos, e dos mortos, tu és o carcereiro maior e único, que detém as chaves....isso tudo e nada mais.... tu és dos homens haitantes dentro de mim o mais canibal dos ais!!!


Oh ser humano encarcerador dos sonhos, por favor, me libertai, me de ao menos  a chave dos meus próximos anos, e de tua sombra me livrai, me deixai ser livre novamente e viver sem teus umbrais pavorosos, sem o monstro que habitas em ti, sem o espectro do teu chicote, sem a sombra da tua solidão, sem o medo do teu açoite, sem o pesadelo dos teus coices animais,  um árvore seca sem frutos e os olhos sem cor, sem fundo, os olhos que não sentem amor, tampouco sentem dor, os olhos do nada, ser humano aprisionador, por favor... imploro-te, deixe-me viver!

Quebre as minhas correntes, e saia dos meus pensamentos, dos meus mundos ausentes de mim mesmo presente, pelo ser que sou , e pelo não ser que tu és, encarcerador de sonhos


Vivo fico, e em paz, e em silêncio, por favor, cale a tua voz de trevas, por favor, ser humano Aprisionador dos
Faunos e das borboletas
Dos relógios roubados nas gavetas
Das joias que afundam nos oceanos
Das frutas coloridas nas cestas
Dos pássaros esvoaçantes no jardim
Dos carros velozes que não podem galopar os cavalos
Dos barcos enferrujados engolidos pelo mar
Das cores dos arco-íris fenecentes ao meio dia
Das saias e dos batons vermelhos
Dos meninos de salto alto no espelho
Dos beijos de bocas pervertidas e das bolhas de sabão
Dos homens que tem sonhos
E das mulheres que tem um coração
De tudo que é vivo no planeta
Das alma existente nos gametas

Nos libertai, nos libertai descomunalmente, nos deixai viver, nos cortai a corrente amarga que nos atrela a ti e a todo mar de teu sofrimento, pois não fazemos parte da masmorra em que tu vives, do teu vivo encarceramento, ser humano encarcerador de sonhos....

Não morremos, ser vivo do cárcere subliminar, solte-me de ti, do cala-te calabouço,

Peço-te sequer um adeus,
Somente uma única morte real, a mais eficaz possível.
Baste que dure para sempre, enquanto eu estiver vivo
E que ela venha rápida
e que seja irreversível.



FC

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