Os quadros falam sem dizer. Falam dentro de nós, gritam, choram, fazem nos ouvir vozes que muitas vezes não queremos escutar. Mas em si, são emoldurados pelo silêncio inerente aos objetos, às pinturas. Um quadro não fala. Mas se fizermos uma ligação das vozes presentes nos quadros mudos, que nós ouvimos cada vez que apreciamos um obra de arte de significativo porte, e as molduras que cercam a tela, poderíamos dizer que são elas, as barras, as selas, as contendoras das vozes dessas inúmeras pinturas que imploram para dizer o que já está sendo dito. As molduras do silêncio. A prisão em torno dos homens, que vivem numa cela invisível, e não falam, não cantam, não sorriem. Talvez se removêssemos as grades que nos cercam, ou as molduras das pinturas, o silêncio seria quebrado e nossos gritos seriam mais do que uma breve, passageira, e interior inaudível loucura silenciosa. Assim, resolvi remover as molduras do silêncios dos tantos quadros que contam a nossa história, e deixar eles falarem através de um interlocutor, que como qualquer outro, poderia escutar, outros silêncios, outras vozes, outras alegrias, outras dores.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

A NUDEZ MORTA DA PEDREIRA VIVA



                               "O TORSO DE GESSO"
                                     Henri Matisse



Tuas mãos , como poderia esquecer elas sobre o meu corpo,
Completamente entregue ao acidental, o não casual de estar
Justamente ali, naquela sua mesa, suas mãos se agigantando
Como seu eu fosse um pedaço de carne quente, revolvendo
Cada musculo meu, me torcendo como fios de aço quando
Dobrados por uma força de implosão, as bombas nas pedreiras
Os prédios em demolição, era o que fazia com meu corpo nu,
Implodindo cada resistência, escavacando como se ele fosse
De rocha cada dureza de uma veia de pele morta e engessada,
Revolvendo minha pele em cima daquela mesa que cheirava
Ao teu suor e o misto de uma litúrgica transformação, aquelas
Fumaças de incensário quando queimam e esparramam suas
Cinzas como um vulcão, tuas mãos e minha solidez escorrendo
Pelo  gesso de minha pele, meu torso como um vulcão pleno
Retomado de seu sono, acordado pelos toques te tuas mãos
Brutas, precisas, corretas em cada ponto, afinadas na aspereza
Das particularidades da não sutileza dos escombros da vida,
Na baixezas do submundo, esculpida pela própria deformação
Da imperfeição de tantos caráteres deformados que encontrastes
Ao longo do caminho, para atingir tamanha expressão e precisão
Cuja destreza se denotava apenas com um único sentir, um dedo
Metamorfoseado no silêncio incisivo e letal de um corte de bisturi
E uma mão na violência descomunal de um britadeira silenciosa,
Calma e controlada, elaborada tecnicamente para o prazer total
A certeza do primeiro toque, quando já sem eu saber, triturava
Minhas muralhas, meu corpo enrijecido se quebrava e minhas
Resistências sendo tocadas por um homem de verdade da forma
que ele toca em qualquer coisa, com uma firmeza passional e precisa
Segurança de saber o que está segurando  e não temer o objeto
Segurado, não intimidar-se com aquilo que toca, o oposto de apalpar
A pele entregue encostando os dedos recolhidos com frias mentiras
E preconcebidas percepções de momentâneos medos imaginários
De um total e comum anacronismo entre os homens da caverna
Do nosso mundo moderno, que usam luvas de plástico para não se
Infectarem, colocam plástico sobre tudo, sobre todos os seus plásticos
Membros, e perdem a virilidade inata ao real e bruto toque do ser,
Não, ali a tua presença era tão viva quanto a frigidez da mulher
que nos observava de longe, por trás, sem se entregar, morta
de um pudor que a fazia invejar algo que jamais lhe permitia ter
Quando mesmo a  flor que calada, existia, mesmo morta num vaso,
Embora que antes de morrer podia ter tido a água de seu recipiente trocada
Sem para isso ter que falecer sedenta, na secura das rachaduras de
Cada folha,seca, morta e velha de tanto esquecimento, mortas de sede,
Não , ela podia trocar a água do vazo, e elas morrerem com Beleza
Mas ela estava lá, e não tinha obrigação de fazer nada mais do
Que apenas estar, estando, decorando, preenchendo o espaço vazio
Deixado pelos homens que criam os espaços, jamais trocaria as águas
De flores de um vaso que não eram seus, talvez isso fazia à secar mais
Depressa , sim, mas suas mãos não, não nas mãos daquele homem, daquele
escultor dos corpos mudos,  daquele Deus talhador, elas não estava secas,
pelo contrário, molhadas, úmidas, ferventes, elas não criavam espaço vazios,
elas preenchiam com força os espaços deixados entre cada vértebra, como
se fossem um trator, o meu torço revolvido pela plenitude de teu toque,
que se ateve talhar uma linha de envolvimento da lombar ao pescoço,
deixando o resto dos membros apagados para a inexistência do cotidiano,
a torsão estava na espinha, o ponto de religação...

Foi ali, com suas mãos de chamas e brutais certezas, que me
Religuei comigo mesmo, e andando maior do que tinha entrado
Antes , sai, deixando um rastro erótico de desejos ocultos
Pelos meus pensamentos, mas evidentes em cada músculo novo
Destencionados, em nova e perplexa solidão, prontos para serem
Novamente ocupados, e enrijecidos pelas outras perplexidades
Das solidões do mundo...pelo teu olhar indiferente. Porém por toda
paixão e violência de corpos que se rasgam ao meio, contidas pelos
segredos atrás da pele das suas histórias infames e secretas, das suas
Vitórias...Aquele era o mais vitorioso de todos, aquele justo colocado
pronto e preciso inesquecível par de mãos... Violência e paixão, e
Um torso remodelado, era isso o que sobrava na mesa, a precisão de
um saber colocar cada vértebra em seu devido lugar, relaxando ao mesmo
tempo, com a sutileza de um mestre artesão, cada tensão nerval e muscular
Oh sublime delicadeza de mãos destruidoras dos homens feitos de pedra,
onde estavam até agora, pois preciso ter teu toque desconcertante sobre meu
cotidiano enrijecedor !

O rígido vaso das flores mortas, secas, sedentas, sobre a escravidão da indiferença
Emoldurada na rigidez na parede,
Os tijolos da vingança de um frígida mulher presa, cuja vela apagada
Nunca mais será acesa
Esse era o seu quadro, e a sua
indubitável triste certeza, pois quando se está pendurada dentro de um quadro
alheio, sequer a graça do próprio leilão de veraneio, sequer uma lágrima,
sequer um espelho de verdade ou uma moldura de verdade, uma moldura
sem silêncio!
As flores mortas da mulher de gesso!

FC

Um comentário:

  1. Novamente uma tirada sensacional! Esse paralelo entre a obra de arte, e o toque das mãos, a pele ,é de uma sensualidade extraordinaria....corpos quentes e a frieza do gesso... Ótima tradução do quadro,👏🏻👏🏻👏🏻🔝🔝🔝❤️🙅🏻😘

    ResponderExcluir