Os quadros falam sem dizer. Falam dentro de nós, gritam, choram, fazem nos ouvir vozes que muitas vezes não queremos escutar. Mas em si, são emoldurados pelo silêncio inerente aos objetos, às pinturas. Um quadro não fala. Mas se fizermos uma ligação das vozes presentes nos quadros mudos, que nós ouvimos cada vez que apreciamos um obra de arte de significativo porte, e as molduras que cercam a tela, poderíamos dizer que são elas, as barras, as selas, as contendoras das vozes dessas inúmeras pinturas que imploram para dizer o que já está sendo dito. As molduras do silêncio. A prisão em torno dos homens, que vivem numa cela invisível, e não falam, não cantam, não sorriem. Talvez se removêssemos as grades que nos cercam, ou as molduras das pinturas, o silêncio seria quebrado e nossos gritos seriam mais do que uma breve, passageira, e interior inaudível loucura silenciosa. Assim, resolvi remover as molduras do silêncios dos tantos quadros que contam a nossa história, e deixar eles falarem através de um interlocutor, que como qualquer outro, poderia escutar, outros silêncios, outras vozes, outras alegrias, outras dores.

terça-feira, 2 de junho de 2015

ALMAS GÊMEAS

Olhos meus ,
Ou olhos teus?
Como posso
Amar-te assim
Tao cegamente
Amor que não
Tem rosto, ou
Não tem cor
Amor que não
Fala da gente
Que só ama
Mais do que
Sente tudo e
Todo o amor
Invisivelmente
?


Amo-te sem
Ver-te, como
Pode isso
Ser, assim
Tão simples e
Possivelmente
?


Amar na escuridão
Todos os dias
Das nossa parvas
Exíguas Vidas
Quem nunca foi
Amante meu
Dos séculos
Passados talvez
Ou de um futuro
Breve e distante
?


Como posso
Amar-te
Tão amante,
Se sou assim
Tão só, tão
Infinitamente
Só, e sempre
Ilimitadamente
Esperando
Inutilmente
Que venhas
Tua face nua
Revelar-me
Dissipando
Névoa da noite
Branca cálida
Poente, de
Olhos de âmbar
Em túnel
Crepuscular...

Como posso assim
Um amor sem
Rosto amar
E amar, sem
esquecer
Que ele poderá
Sequer vir, ou 
se já veio, poderá
Nunca mais
Voltar?



Sinto isso tão
Sozinho e
Pouco inquieto
No peito meu
Teu rosto
Apagado,
Os contornos
Sempre incertos
Sempre o
Mesmo rosto
Quando te
Beijo à luz
De velas
Com os olhos
Sempre fechados
E de todas
Humanas
Presenças
Do mundo
Eu sei
Absoluto
E certeiro
Que és tu
Meu companheiro
Cujo rosto velado
Pelas nuvens
Do destino
Encoberto
Pelo véu
Dos descaminhos
Tantos, e tantos
cheios! de desvios 
repletos...
longas milhas
e torpes vis
armadilhas
Não abalam
Minha certeza,
Nem me fazem
Chorar menos
Quando só
Espero por ti
Pela tua lendária
Aparição, rosto
De sabor infinito
Que mora nos
Castelos dos
Meus sonhos
Na beleza pura
Do desconhecido
O amor sem 
Condição



Um rosto 
assim 
feito de nuvens
uma simples
sensação, 
uma face feita 
de cores amantes
que se tocam
e depois de enlaçadas
como a chuva 
encosta o chão,
apertam-se
os dedos
e nem depois 
de uma 
eternidade
inteira
conseguem 
mais
desatarem-se
as mãos...



Assim vivo
Na soturna
Espera, de
Tamanha
Eterna
Revelação
Quando sem
O nosso amor
Sobrevivemos
Sozinhos,
Noturnos
Silenciosos,
Num destino
Um pouco mais
Escuro, uma
Tela sem
Moldura

Molduras 
do silêncios
nos calam
e nos prendem
numa cela
sepultura
onde do mar
vemos apenas
o reflexo 
de uma onda
viva, que
grita: -Vem!
pelo buraco
negro da
fechadura...
Pela espera
de Ninguém!


Uma vida
Pouco mais
Cinza e 
Viciosa
Um pouco
Menos clara
Pouco mais
Dura
Intercalando
o espetáculo
do amanhecer
com as fatais
doses do licor
as facadas
da loucura
suicidas 
do Amor


Mais escura
A tela, o beijo
Sumindo no
Rosto da face
Do quadro
Na parede
Nao vencendo
A crua sede
Dos tijolos
Vivos, pendurados
Sobre os tetos
De nossa casa
Modesto albergue
Contra o tempo
Construído

Veloz, 
Desaparecimento
Atroz,
Envelhecimento
Feroz
Quando, sei
E quando sinto
Os mesmos
Beijos, apesar
Dos anos tantos
Os mesmos
Traços, nos
Contornos
Invisíveis,
Desfocados,
Dissolvidos com
As cores da
Imagem,
Perdidos nos
Teus beijos
Tão fugazes
Da paisagem
Do nosso
Ser, dissolvidos...

Quando morro
Sem te ver
Meu amado
Imortal
Quando parto
Sem ter conhecido
O meu
Verdadeiro
Amor
Que sempre
no mesmo
Espírito
Morou...

E assim,
Quando partimos
Sem face,
Sem destino
Me deixas
Apenas um
Retrato na
Memória
Uma sombra
De angústia
No pensamento
De algo
Que veio,
E que passou
Pela pele de tantos
Rostos...


E no refúgio
De uma lembrança
Sequer um beijo
Me deixaste
Ou um feixe de luz
A lanterna que Iluminaste
A saída nesse mundo
De caverna
Quando partiste e sequer a cor
"Verde"
De teus verdadeiros
Olhos
Me olhando
Revelaste

FC




LES AMANTS

René Magritte


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