Os quadros falam sem dizer. Falam dentro de nós, gritam, choram, fazem nos ouvir vozes que muitas vezes não queremos escutar. Mas em si, são emoldurados pelo silêncio inerente aos objetos, às pinturas. Um quadro não fala. Mas se fizermos uma ligação das vozes presentes nos quadros mudos, que nós ouvimos cada vez que apreciamos um obra de arte de significativo porte, e as molduras que cercam a tela, poderíamos dizer que são elas, as barras, as selas, as contendoras das vozes dessas inúmeras pinturas que imploram para dizer o que já está sendo dito. As molduras do silêncio. A prisão em torno dos homens, que vivem numa cela invisível, e não falam, não cantam, não sorriem. Talvez se removêssemos as grades que nos cercam, ou as molduras das pinturas, o silêncio seria quebrado e nossos gritos seriam mais do que uma breve, passageira, e interior inaudível loucura silenciosa. Assim, resolvi remover as molduras do silêncios dos tantos quadros que contam a nossa história, e deixar eles falarem através de um interlocutor, que como qualquer outro, poderia escutar, outros silêncios, outras vozes, outras alegrias, outras dores.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

OH CRIA DOR

Assim num sopro ao relento me criastes, em áspero leve toque, me fizestes, como se nada fostes para vós , uma simples significação, num jardim de intocáveis infâncias, sagradas lembranças de jabuticabeiras e árvores imortalizadas pelas vossas viagens de maestrias siderais, atravessavas os espaços com a força do pensamento, éreis mais forte do que o trovão em movimento, éreis a luz e a energia reveladora do mundo em formação, éreis vós, oh fonte suprema do conhecimento, enquanto eu vivia as divinas aventuras de um simples retrato da vida, aprendiz de viva pintura, vendo as estrelas cadentes no céu, e as lágrimas moventes no papel em criação, éreis celeste, e dial, éreis o Pai do mundo, a ponte entre o Céu e a Terra, éreis a nossa união....

Infinita distância entre vossa
Responsabilidade e a realidade de vossa criação, oh Pai, o que fizestes se não um ser Humano filho celeste, que depois quando rompido o incompreensível entre nós, algo sempre limitado pela abominável distância de vossa inalcançável superioridade, de um ser sempre além de qualquer explicação, do vosso mundo me expulsastes, livrando-vos de vosso filho como do fruto podre proibido, já nascido corrompido , pelas leis dos homens de retidão, me expulsastes sem olhar, sequer uma fria lágrima despendestes, apenas um gélido sermão, uma única palavra de "à Deus", esse foi o milagre da criação, oh Pai celeste, o toque de vossas mãos, e os milênios de uma sepultura inexpressável de inconsolável solidão, a sóbria Ruptura entre o Homem e a Criatura, entre o Ser Deus e vossa loucura, quando em Peremptória condição, me vi no exílio vexatório de meu próprio coração, sofrendo lágrimas de uma humanidade apenas por assim ter nascido, simples e honesto, do barro modesto em lama ter sido feito, e lama ter engolido, do próprio gen em gestação, vim do inexplicável, de um além que não sei da onde, nem por que, para desterrado sem horizonte, sem Terra permanecer,  em tão humana condição, humana materialização de filho, criatura, criação, banida eternamente, condenada ao exílio perpétuo de um retorno sem volta, sempre, mesmo quando juntos, um eterno desaparecimento, como se a invisibilidade fosse condição manifesta em todos os nossos encontros futuros de qualquer mínima humanidade entre o ser humano e Deus... como se jamais atravessaríeis o muro, nunca mais! Intransponível muro! Para sempre, desde ali, sabíamos que as luzes se apagavam, as chamas se aclamavam chorando friamente a impotência de tamanha irreversibilidade...estaríamos para sempre no escuro...

Existência sem sentido, todos banidos, expulsos e mutilados pelo Alquímico criador, procurando um escolho singelo de puro e atenuante amor! Oh Ser celestial dos mundos espaciais transpostos mundos cósmicos dentro de mim, como posso germinar sementes, se mortos foram ceifados os filhos do meu jardim? Como posso amar os frutos se amaldiçoados as primordiais flores iniciantes assim dos furtos do meu precoce fim? Oh, castrado ser da bendita perversão de somente ser, maldito em gestação absoluta de ser o que és, o que sempre fui, a criação mais sincera de tudo que sou em mim! De ser força e tempestade , de ser grito e revolução, de ser voz e temeridade, terremoto e destruição, quando fazes até mesmo o pai celeste tremer em tua impávida solidão, quando arrancas do teu pescoço a gema do olho do mundo, e num ato de imensidão, como um ar nos olhos plenos de um abraço de vento e furacão, num sopro desfazes a pomposa desumana coroa, destronando o tempo passado, um Cronos morto e trucidado, como as plantas mortas numa nova era, trazendo para as novas andorinhas vivas um novo e jovem verão.

Assim, morro dentro de mim, renasço para ser somente vida e imensidão, choro para esquecer os frutos amaros do passado, os tristes mortos de uma vida de tortura, as câmaras das loucuras, ondes os fantasmas cantam nas vozes de um
Coro de mil faces, as máscaras diabólicas do criador flagelador de sonhos e futuros humanos possíveis, quando expulsos do jardim, os homens mataram a sua flor...

Mas não além do impossível e da dor, putrefato ceifador, abominável Cria Dor, pois até o inferno irei e com os anjos rebelados me agruparei para ajudar os meus irmãos a se lembrarem, se assim necessário for, que enquanto a  alma humana livre e imortal , viva e vibrante for, não importas o teu grito, o teu escárnio de horror, seremos os pássaros da eternidade, e guardiões de uma semente de puro e invencível AMOR, 

NADA nos impedirá, meu pai celeste criador,  pois é lá, dentro de nós, que mora o jardim, as pétalas da felicidade, onde tua  dor não atingirás, mísero criador, é lá que vivemos intocáveis, humanos e celestes, juntos, em nosso hino, regando a cada dia com pequenas gotas de alegria a nossa singela e humana
Flor.

É lá que não poderás nos tocar, pai nosso que estais no céu, pai nosso criador, é lá,
para além das lágrimas, das chuvas e das tempestades
que nao poderás nos torturar,
para além dos tempos
santo cristo redentor
é lá que não poderás
nunca mais
fazer-nos
sentir
dor

Oh Pai Nosso
CRIA DOR

FC


                             "A CRIAÇÃO DO HOMEM"
  
                                       Michelangelo

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