Os quadros falam sem dizer. Falam dentro de nós, gritam, choram, fazem nos ouvir vozes que muitas vezes não queremos escutar. Mas em si, são emoldurados pelo silêncio inerente aos objetos, às pinturas. Um quadro não fala. Mas se fizermos uma ligação das vozes presentes nos quadros mudos, que nós ouvimos cada vez que apreciamos um obra de arte de significativo porte, e as molduras que cercam a tela, poderíamos dizer que são elas, as barras, as selas, as contendoras das vozes dessas inúmeras pinturas que imploram para dizer o que já está sendo dito. As molduras do silêncio. A prisão em torno dos homens, que vivem numa cela invisível, e não falam, não cantam, não sorriem. Talvez se removêssemos as grades que nos cercam, ou as molduras das pinturas, o silêncio seria quebrado e nossos gritos seriam mais do que uma breve, passageira, e interior inaudível loucura silenciosa. Assim, resolvi remover as molduras do silêncios dos tantos quadros que contam a nossa história, e deixar eles falarem através de um interlocutor, que como qualquer outro, poderia escutar, outros silêncios, outras vozes, outras alegrias, outras dores.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

OLHOS RETIRANTES

Oh meu Brasil retirante,
Olhos amargurados de poeira,
Fazes dos teus filhos uma raça
De párias, desbancando da
Algibeira os famigerados tantos
Inconformados pesadelos
Humanos, quando não regas
Teu jardim, e na seca dos olhos
Famigerados, vês o reflexo de
Uma árvore esquálida, extorquida
Até o túmulo do seu próprio fim,

Brasil da extorsão, onde a seca
É beija flor, onde a mata é a sede
Sem terra, motosserra do horror
Onde mate-se de sede apenas
Por um penhor!

Brasileira inenarrável dor,
De ser brasileiro famigerado,
Um pobre retirante sofredor!

Oh Brasil dos santos e dos miseráveis
Dos milagres e dos impostos infernais
Brasil colônia de poucos,
Dos falsos generais, santa pátria astuta
Até hoje se utiliza de militar desculpa
Para violar, e estuprar, e ludibriar
Logrando a chama dos olhos de uma terra
Escaldante, vendendo os homens nômades
Escravos de uma vida retirante!

Mata-se os vivos e o mortos,
Com hipócrita lei
Da Isonomia  do vencedor!
Mata-se de fome, de sede
De pálida abnegação
De qualquer chance de cultura
Humana que sirva para
Formar um homem livre
Um indivíduo da civilização

Matam-nos com torturas todos dias expondo-nos ao sol abrasador
O Sol da Ditadura Democrática da Liberdade Retirante,
Corvos e queimaduras
Caminhos torturantes
Chapéus e crianças mortas no parto, não da mãe da pátria amada grávida
que não pariu,
Mas um aborto precoce e infantil,
As nossas queridas
Estupradas filhas do Brasil!

Meu Brasil, brasileiro, a merencória luz da dor...dos passos de esquecimento,
Merencória luz do pobre lavrador...da esperança em teus olhos,
Quem foi mesmo o teu senhor,  quem fizeste de ti um sonhador,
Um servidor, e depois um descartável capanga matador?

Quem foi mesmo esse grande Homem, herói dos povos oprimidos,
E do teu futuro prometedor?

Quem foi mesmo o teu salvador, retirante infeliz?
Ainda recorda-lhe o nome, desse santo protetor, esse grande incriticável
Humano trabalhador, de um honrado partido acolhedor?
Decoro e lisura, nada mais a acrescentar!
Das massas o fiel conselheiro, fio condutor, e dos canudos foi o santo inspirador? Alma do deserto, bocas são bicos de Carcarás....
Fervente na vermelha fissura da terra, tua criança morrerá...

Ser pequeno sofredor, que pena tão pequena,
Quando a luz da esperança em teus olhos, inúteis de famigerado eleitor, ele friamente,
Vestindo um terno italiano,
Apagou....

Pobres retirantes retiráveis!
Pobres trabalhadores iludidos!
Pobres mortos de fome frente
Casas inundadas por fontes de
champagne e água nos chafarizes!
Meus pobres mortos de sede,
Retirantes infelizes!

Matam-nos de cansaço, com a mentira de um mormaço transformador
Matam-nos com as políticas das barrigas d’agua, os cactos e os espinhos
A política do esquecimento, apático sofrimento de leitos sem hospitais
Matam-nos como vacas nos abates, somos mortos como porcos animais!

Iludidos com palavras inchadas pelo vento infértil dos vermes do sofismo,
As palavras da barriga d’água
Matam-nos de tanto caminhar entre as burocracias de uma muda legislação
e a realidade assombradora das entranhas miseráveis da vida no sertão

Matam-nos em português, em inglês, em espanhol
Matam-nos sorrindo com desculpas em playback
Matam-nos todos os dias abanando-se com refrescantes leques
De pena internacional
Matam-nos a alma branda, supostamente feita
Para ser livre e imortal

Oh, cruel Estado democrático
Do sofrimento e da lamentação
Esse será igual para todos
Não abastados, famigerados
Dos olhos sem visão...
Os olhos secos do sertão
dentro de todos nós...
a seca e o silêncio, a voz
da impunidade, somos
todos culpados,
somos todos
retirantes de nós mesmos
famigerados!

Brasil imaculado, vestes uma
Roupa suja de sangue e pó
Indiferença e abandono
Do verde amarelo na bandeira
Esmaecido, sobra-te o vermelho
Sanguinário de tanta extorsão

Precisarás de um doador
Universal, para as lágrimas
Do sertão estancar, para viver
Finalmente aos cumes
De vossa imensidão

Precisarás de um milagre sem precedente proporção !

Brasil das lágrimas de tantos,
Inconsciência do sorriso de
Tão poucos... passa ano,
Década, passa o tempo sem
Tempo da estação, e as lágrimas
Da seca continuam apavorantes
Dissecando as almas trituradas
Exilados com as magras peles flutuantes
Com seus secos olhos retirantes

Meus filhos nos espelhos,
Magros de tanto vazio..
Choram sem lágrimas
Pois a seca é tanta
Que a dor chorada escorre
Dos olhos como areia,
E a fome na barriga
Se mata com poeira,

Brasil famigerado vencedor
Das florestas tantas
Abastadas, de um
Bastardo perdedor,
Sua terra rechaçada
Pela morte da amarelada
Flor....

Dor de ser infeliz na imensidão inegável que és!

Marchamos juntos pelos campos do sertão,
Soldados famigerados, partem pela estrada,
Do pó sem a devida provisão, caminham
Incansáveis pela marcha de um atroz destino
Dos casebres miseráveis, país da ingratidão
Onde está a água das terras de uma fértil
União? Onde estão as promessas de um
Sonho de criança, o sonho de uma vaga ilusão
Brasileira, de um exílio sem fronteiras,
Da tal marcha estradeira, quando
As águas de março nunca fecham
O sertão?

Marcham sem os pés, olhos sem visão,
Da seca se fez o homem, e do homem
Se fez o espinho do homem,
Vida de cactos deserdados
Morrem aos poucos sem seus livros,
Sem educação

Os pequenos e os meninos
Os nossos brasileiros tão sofridos
Amargos famigerados
Os Retirantes sem Destino

FC




                                       OS RETIRANTES

                                      Candido Portinari

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Incrível !!! Muito profunda.....Sem Palavras !!!! Bjus iluminados 💫💫✨✨🌟

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